segunda-feira, 21 de junho de 2010

Morreste, José? José.


Em todos os meus caminhos, os donos do meu ritmo: Drummond, Bandeira, Meireles, Pessoa, Lispector e agora Saramago. Se é preciso morrer para que sejam reconhecidos os valores, os amores, quero esvair-me dessa vida. Não, não quero reconhecimento, mas contentamento.
Como falar de um homem que abusava do uso das vírgulas e que dava lições de vida a cada obra? Como falar de alguém tão humano ao ponto de não se fazer pelo seu reconhecimento e perceber que a validade da escrita só faria sentido se soubesse o que dizia? Alguém que percebe a vida de uma forma tão singular, mas que não se sabe ao certo se fazia dela seu plural... A análise se torna mais fácil quando apenas se olha de fora. Ou quando apenas quer-se ficar de fora. Acerca de Ensaio sobre a cegueira, "É preciso coragem para sustentar o olhar num ponto fixo. Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. Seu romance já dizia tanto (e tão bem!) sobre o perigo de enxergar num mundo de cegos. Saramago nos mostrou, com suas palavras, as feições que o medo da escuridão tem." É preciso às vezes fechar os olhos. Mas, parou, e disse Madalena, em Evangelho segundo Jesus Cristo, "És belo, mas para seres perfeito, tens de abrir os olhos." Sim, ela queria que ele a visse, que reparasse nela, que fosse dela, ela o queria.

É lindo saber que ao menos compartilhamos do mesmo bom sentimento pela escrita, pela literatura, pelo amor, pela arte, pela vida. Não compartilhamos. Ele também tinha um blog, ele escreve bem, ele escreve a vida, ele não vive a vida. "Quando a notícia de sua morte e todos os seus ralos detalhes emergiram, para a nossa surpresa, deu vontade de regressar no tempo e querer que fosse verdade aquele trecho das Intermitências da morte -"No dia seguinte ninguém morreu." Lidar com a sua ausência será a derradeira lição.
Acorde, José, não é hora de brincadeiras! José...? José...? [mais uma vez ele não responde]
Dizem que ele morreu de falência múltipla dos órgãos, devido aos pulmões. Não acredito nisso. Foi o coração.
O único órgão que pode nos dar a glória e a derrota é o coração.

Num país predominantemente católico não há vez para anjos. Nem seu rosto encantador consegue esconder a malícia inocente dentro de si. Por isso exila-se. José exilou-se, rompeu com o seu país que tanto amava.
É triste reconhecer que o ser humano, por quaisquer motivos,sempre siga a tendência de não arriscar, de deixar pra lá, de adiar... Por que adiar? Me doi saber que José não pode ocupar a cadeira 16, da Academia Brasileira de Letras, ainda que tenha dito: "Eis-me portanto acadêmico no país que mais amo depois do meu, o Brasil. É como estar em casa." E de tanto amar, e de tanto adiar, não pode fundir-se nesse amor.

E José, Saramago, aflorou em mim o que há de mais bonito, o amor à escrita.

Um comentário:

  1. Nanee,

    Lindas palavras de homenagem e perfeitos recordes da obra deste mestre da Lígua Portuguesa com o qual vivo numa ambiguidade de Amor e Ódio. Ódio a sua beleza literária, a sua sensibilidade humanística. Ódio, sim ódio a sua heresia, a sua blasfêmia e ao seu desdém para com crenças e corações vívidos somente na esperança daquilo que foi escrito, é-se lido e o peito segue de olhos fechados, por que a Fé não faz perguntas. A FÉ move!
    Mas, se ver era o que ele nos gritava como obrigação, ver o que esta diante de nós e enxergamos o que está além de nós, mas aquém da verdade necessária e única, cumpriu sua missão. Através de vírgulas ele nos mostrou que não nos cabe o ponto final. Quem somos nós para tamanha audácia? Quem somos nós cegos, prepotentes e ignorantes para determinar algo como concluído ou absoluto? Quem somos nós? Eis uma verdade embassada diante de nossos olhos!

    Adorei seu blog, Princesa!

    Beijos!

    P.S.: Estou te seguindo s2

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