terça-feira, 13 de julho de 2010

Sonho.


Eu era uma mulher normal, como qualquer outra, acredito eu.
Tinha um bom trabalho, amigos, uma família, marido, filhos, tudo na minha vida era tranquilo, meus próximos me amavam e eu os amava também, tudo seguia seu curso natural.
Sempre gostei das artes em geral, filmes, músicas, fotografias, pinturas, poesias... e acredito que para cada momento de nossas vidas pelo menos uma delas marca algo especial. Eu gostava de ler e, por consequência, gostava também de escrever. Meus escritos oscilavam em variações de humor, sentimentos, enfim, coisas de mulher como dizem.
Certo dia saí do trabalho e, na biblioteca municipal, quis ler Drummond. Há tempos não lia Drummond. Me deparei com vários poemas que gritavam meu nome de uma forma tão desesperada que me arrepiava a cada linha que eu relia... Poesia, Soneto da perdida esperança, Sentimento do mundo, A bruxa, Mãos dadas, José, Amar, Entre o ser e as coisas... Parei de ler. Aquilo me incomodava como nunca antes me incomodou. Fiquei sem saber o que fazer e comecei a escrever. Lembrei de meus filhos, meus amigos, meu trabalho, mas não pensei no meu marido. Talvez eu não quisesse pensar nele, talvez algo aqui dentro de mim estivesse morto em relação a ele. Na verdade eu queria afastá-lo de mim, ele era bom demais para mim.
Será que o amor não foi feito para mim? Será? Tenho que amá-lo, não posso deixar que a construção de sonhos, de palavras, de carinhos, de nós... se acabe. Mas não tenho forças, não consigo mais alimentar um sentimento senão pelas artes... e elas me sugam de um jeito que não sobra nada para repartir.
Continuei escrevendo e ao final percebi que o que eu tinha escrito era exatamente o conflito da minha existência... querer estar, mas não estar... repartir o que não se pode. O que eu não posso dar.
Com o passar do tempo, fui me afastando do meu marido e adentrando cada vez mais no meu infinito particular das letras... minha vida era poesia pura e eu estava satisfeita apenas com ela. Até que um dia ele chegou, de repente, eu não sabia quem ele era, só sei que era bonito demais. Por um momento perdi o chão, mas me contive, eu não sabia quem era ou o que era aquele elemento encantado que surgiu do nada.
Dei dois passos a frente... me apresentei, me envolvi, me apaixonei.
Fiquei perdida. Ele propôs me encontrar, disse que me levaria com ele para nunca mais voltar. Meu Deus, eu tinha família! Meu marido, meus filhos... Ah, o que serão de meus filhos? Me desesperei. Ele era bonito demais. Demais. Era atraente demais. Demais. Olhei para o ceu, pedi insandecidamente uma solução, gritei, chorei, esperneei e... graças a Deus, eu acordei desse pesadêlo terrível. Olhei para o lado e lá estava ela, dormindo, serena como sempre. Ela não era a mais bela de todas, mas era a minha mulher. E eu. Eu não era uma mulher, era um homem normal, como qualquer outro, acredito eu.

Um comentário:

  1. Nanee,

    Muito bom!
    Gostei de como o sonho guinou no final.
    Bem interessante.
    E o jorro de emoções, sentimentos e frustrações somados e recheados com a perda do encantamento que significa o passar do tempo, quando dominado pela rotina, pelo planejado, pelo cotidiano... Realista, poético, até um pouco altruísta para com o outro, mas sôfrego consigo mesmo.
    O texto está bem escrito. Fiquei 'vidrado' nele. Li em um olhar só. Corrido. Prende o leitor.
    Parabéns, Nane!!!

    Beijos!

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